Um passo a mais para a inclusão da mulher na ciência brasileira

Entrevista com Carla Rodrigues Almeida, por Letícia de Sá

Se te perguntarem para imaginar como é um cientista, qual imagem passaria na sua cabeça? 

Por muito tempo, a ciência foi uma área  de poucos. Na escola, sempre aprendemos sobre grandes cientistas que revolucionaram o mundo como vemos hoje: Newton, Einstein, Charles Darwin, e por aí vai… Às vezes, acabamos pensando, onde estão as mulheres no meio disso tudo? 

As mulheres foram excluídas por muitos anos do meio educacional e científico, no Brasil, por exemplo, apenas em 1880 mulheres puderam ingressar no ensino público. Os efeitos desse atraso, são vistos ainda hoje, principalmente na ciência: Mulheres cientistas ocupam somente 14% da Academia Brasileira de Ciências, nas áreas da ciência da computação e matemática, mulheres pesquisadoras são 25%, tudo isso, sem contar a desigualdade salarial, os constantes questionamentos sobre sua capacidade e competência, como também, a falta de mulheres em posições de liderança, como em empresas e no Governo. 

Mesmo com tantos empecilhos, mulheres não deixaram de fazer ciência. Podemos citar exemplos como Bertha Lutz, bióloga e a segunda mulher a fazer parte do serviço público do Brasil, Sonja Ashauer, primeira mulher a concluir o doutorado em física do país e Elza Furtado, grande matemática brasileira e a primeira mulher a ter o doutorado na disciplina. Essas foram apenas o início da história das mulheres na ciência no Brasil, pois cada vez mais, temos brasileiras ingressando na ciência e na pesquisa, e sendo responsáveis por diversas descobertas que também ajudam a revolucionar o mundo.

Por isso, hoje trazemos uma entrevista com Carla Rodrigues Almeida, mestra em matemática e doutora em física pela Universidade Federal do Espírito Santo (UFES). Ela fez um período de pós-doutorado no Centro Brasileiro de Pesquisas Físicas (CBPF) e depois trabalhou como pesquisadora visitante no Insituto Max Planck para História da Ciência, em Berlin, na Alemanha. Atualmente, está terminando suas atividades como pesquisadora internacional no Instituto para Estudos Avançados em Humanidades na cidade de Essen, também na Alemanha. Atualmente, Carla atua nas áreas de cosmologia quântica e história da ciência. Ela está escrevendo um livro sobre a descoberta dos buracos negros, além de continuar suas pesquisas como métodos alternativos de quantização.

1.Desde mais nova, você já se imaginava como pesquisadora? De onde surgiu sua inspiração?

Quando eu era criança eu queria ser escritora e cheguei a prestar vestibular para jornalismo antes de começar o curso de matemática. Mas assim que comecei a graduação eu soube que esse era o caminho que eu gostaria de seguir. Eu sempre gostei de aprender coisas novas e descobri que poderia fazer isso como trabalho, seguir carreira como pesquisadora. Então acho que a vocação já estava em mim, eu só precisei descobrir que este caminho era possível. 


2.Você sempre teve interesse na sua área de pesquisa? Poderia contar um pouco sobre seus principais temas atualmente?

Não, minha mente é muito inquieta para escolher apenas uma área e ficar com ela para a vida toda (risos). Eu comecei na matemática, então meus primeiros tópicos de interesse foram geometria e topologia. Por causa dessa minha formação, quando migrei para a física senti uma atração natural pela cosmologia e gravitação. Com o aprofundamento da pesquisa, me envolvi com a cosmologia quântica, estudando a fase mais primordial do universo, logo após o Big Bang. Hoje em dia, o universo segue as leis da física clássica, mas quando todo o cosmo estava comprimido numa escala muito pequena, menor do que o raio de um elétron, os efeitos da teoria quântica eram bastante prevalentes, então meu trabalho é tentar entender essa fase quântica da cosmologia. Meu enfoque é no aspecto matemático da cosmologia quântica, que nos permite entender como poderíamos melhorar essa teoria. Após o doutorado comecei a trabalhar também com história da ciência, mais particularmente com a física do século XX. Estou atualmente escrevendo um livro detalhando a história da descoberta dos buracos negros, uma das maiores conquistas da física teórica do século passado, mas que continua um dos temas mais relevantes de toda a ciência atual.


3.Quais foram seus principais motivos para continuar sua formação acadêmica fora? Foi algo que você sempre desejou?

Não foi algo planejado. Na verdade, eu tinha muito medo de sair do país e me distanciar dos meus familiares. Mas quando a oportunidade surgiu, eu a abracei. Eu fui morar na Alemanha em 2018 e lá comecei uma nova pesquisa em história da ciência, abrindo meu leque de conhecimento. Não abandonei a física, no entanto, apenas adicionei uma nova área do conhecimento ao meu currículo.

4. Qual foi o papel das Universidades Públicas na sua formação?

Essencial. Toda a minha formação foi feita em universidades públicas, mais especificamente na UFES (Universidade Federal do Espírito Santo), primeiramente no campus de São Mateus, minha cidade natal, e posteriormente em Vitória.   


5.Como surgiu a ideia da criação do Astrocientistas? E como foi o processo de organização do evento?

O evento As Astrocientistas foi uma reação a acontecimentos adversos. Sabemos que a situação política do país tem se deteriorado bastante nos últimos anos e que isso tem uma influência negativa direta na ciência e tecnologia do Brasil, com cortes sucessivos de financiamento e um completo descaso do governo atual para com a pesquisa. As coisas pioraram drasticamente com a crise mundial causada pela pandemia. Em julho do ano passado, depois de meses de distanciamento social e fazendo um esforço para manter a sanidade mental, eu e a Tays Miranda (pós-doutoranda na Universidade de Jyväskylä, na Finlândia) tivemos a ideia de transformar parte das nossas frustrações em algo positivo. Aproveitando a tendência dos eventos virtuais durante a pandemia, convidamos alguns amigos, Paola Delgado, Emmanuel Frion e Rodrigo von Marttens, para nos ajudar a organizar um evento para homenagear as mulheres brasileiras que se dedicam às nossas áreas de pesquisa. A ideia começou modesta e vaga, mas foi evoluindo e ganhando definição com o passar dos meses. Nós demos o nosso melhor para fazer algo marcante e estamos muito orgulhosos do resultado.


6.Como você acha que foi a recepção da comunidade acadêmica com a criação do projeto? Você acha que a realidade da desigualdade de gênero no universo científico está mudando?

A recepção da comunidade foi melhor do que esperávamos! Acho que o formato virtual nos possibilitou alcançar um número muito maior de pessoas, mesmo assim ficamos surpresos com a dimensão. O acolhimento por parte das mulheres cientistas do nosso país foi inspirador. Nunca antes eu havia participado de um evento de física com mais mulheres do que homens, inclusive já fui em um em que eu era a única mulher, então foi bastante emocionante para mim. Quebrou um pouco essa sensação de isolamento que temos por sermos minoria em todas as salas que entramos. Já a pouca participação masculina foi algo que nos fez refletir. Nós fizemos a divulgação de forma a deixar bem claro que a participação dos homens era bem-vinda, mas mesmo assim eles contabilizaram apenas cerca de um quarto dos participantes. Essa proporção não reflete nem de perto a realidade da comunidade científica atual, predominantemente formadas por homens, mas é um indicativo do problema da desigualdade de gênero. Sobre isto, se estamos mudando? Sim, estamos mudando. Mas, como toda mudança estrutural, ela se dá de forma lenta e gradual. É algo que requer tempo e paciência. Precisamos denunciar sempre os retrocessos e comemorar bastante cada passo dado para frente, por menor que este seja.

7.Como você observa a diferença entre ser uma cientista mulher e ser um cientista homem? Houveram momentos em que você viveu essa desigualdade na pele?

De forma mais geral, acho que a principal diferença é o número de oportunidades e desafios. Além das dificuldades naturais imposta pela escolha de carreira, as mulheres sofrem várias rejeições sociais a mais, que vão minando a nossa confiança e perseverança. Sem contar que nossas vitórias/derrotas pessoais são sempre extrapolados para sentenciar todas as outras mulheres cientistas. São vários os julgamentos que são contraditórios, de forma que não há vitória. Se você tira notas baixas, então é usada como exemplo de que mulheres não são boas em física. Se você tira notas boas, é usada como exemplo de que mulheres só não se sobressaem porque não estão interessadas em tentar. Mesmo quando nem percebemos, estamos vivendo essa desigualdade na pele. Durante a organização deste evento, por exemplo, planejamos até os nossos erros, demos 210% de nós porque intuitivamente sabíamos que, se As Astrocientistas não fosse bem sucedido, seria apontado como evidência de que as mulheres brasileiras não levam a pesquisa a sério, o que seria uma injustiça gigantesca. Quando tivemos a ideia para o evento, não pensamos nisso, só queríamos fazer algo legal. Com o passar do tempo fomos percebendo que tínhamos nas mãos uma responsabilidade maior do que as nossas carreiras pessoais. Foi algo que eu, a Tays e a Paola estamos acostumadas, mas foi um sentimento novo para o Emmanuel e o Rodrigo, por exemplo. Foi a primeira vez deles vivenciando a influência dessa desigualdade.

8. O que você diria para as meninas que sonham seguir no caminho da ciência, principalmente na astronomia?

Sigam seus sonhos! Há dias que serão difíceis e vai parecer que todos estão contra vocês, mas lembrem-se que todas nós que já iniciamos neste caminho estamos no seu time. O universo é um lugar cheio de belos mistérios e intrigantes enigmas e vocês podem ser as pessoas a desvendá-los. Você pode fazer tudo o que quiser, inclusive ser uma Astrocientista.

Para acompanhar o trabalho de Carla, acesse:

Site: https://www.carlaralmeida.com/

Twitter: @Carla_RAlmeida

REFERÊNCIAS:

https://www.ipea.gov.br/cts/pt/central-de-conteudo/artigos/artigos/177-mulheres-na-ciencia-no-brasil-ainda-invisiveis#:~:text=No%20Brasil%2C%20assim%20como%20no,elas%20representam%20menos%20de%2025%25

3 comentários em “Um passo a mais para a inclusão da mulher na ciência brasileira”

  1. Parabéns para essa batalhadora wue corre atrás de seus sonhos. Admiro demais seu trabalho e sua trajetória. Sucesso sempre Carla! O mundo é seu!

  2. “Com os cortes nas bolsas, as mulheres terao menos chances de desenvolver suas pesquisas. As mulheres pobres, principalmente, sao as que mais sofreram com isso. Os cortes atuam como uma desculpa para limitar a nossa entrada”, comenta a fisica Marcia Barbosa. O Ministerio da Ciencia, Tecnologia, Inovacoes e Comunicacoes (MCTIC) passou por um corte de 42% cerca de R$ 2,1 bilhoes. O Ministerio da Ciencia sofre com cortes e congelamento de verbas desde 2015, e em 2018 instituicoes de pesquisas alertavam para os danos ao desenvolvimento cientifico do pais em caso de continuidade destas acoes.

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